Baseado em fatos reais

22 de março de 2011

Depois de enrolar por um tempo, senti o gosto.
Lembrava pizza, de certa forma, mas era bom.
Meus lábios se contraíram e em seguida relaxaram, assim como todo o meu corpo.
Prendi a respiração - reação involuntária - e aos poucos fui soltando o ar que segundos antes parecia ter desaparecido de dentro de mim.
Me senti anestesiada, meus braços pesaram, minha cabeça girava e nada mais importava nem fazia sentido.
As pessoas ainda falavam em volta, mas nada prendia minha atenção.
De olhos fechados, ouvia o barulho do mundo, mas nenhum era mais alto que o das batidas do meu coração.
De certo minha pressão caiu, porque foi difícil me manter em pé. Tudo rodava, mas nada existia. Então o que rodava, na verdade, era o nada.
Pensamentos malucos surgiram no meu cérebro e me sentia completa com eles.
Completa e estúpida.
Perdi totalmente a noção de realidade. Até mesmo a palavra "realidade" já não significava mais nada. Aliás, engraçadinha essa palavra. Eu riria dela se não estivesse ocupada sentindo tanto e nada ao mesmo tempo.
Parecia que horas haviam se passado. Anos. Séculos.
Talvez por isso tenha sentido tanta fome, uma fome cada vez mais intensa.

Fome de você.

Mas aí você se afastou.

Demorei pra abrir os olhos, com medo de que aquela sensação tivesse fim.

E então apressado, junto com você, saiu pela porta o primeiro beijo da minha vida.

Metamorforse

14 de março de 2011

Morar sozinha não é fácil. Morar com três homens também não.
Ainda mais quando você passa a depender da própria comida, ou da deles, pra sobreviver.
Eu não cozinho mal. Minha Pasta Carbonara é de comer de joelhos (tá bom que pouca coisa não fica boa com bacon e creme de leite, né?).
Mas como os meninos da Rep Jaraguá não costumam comer em casa, fico com preguiça de cozinhar só pra mim.
Foi por causa da preguiça que descobri as sopas Vono.
Uma beleza, você adiciona água quente a um pozinho e, de repente, vê surgirem pedaços de carne, frango desfiado e croutons, milagrosamente crocantes e provavelmente cancerígenos. Tudo tem o mesmo gosto, é óbvio, de maneira que minha felicidade pela maravilhosa descoberta não durou mais que uma semana.
Minha mãe, famosa na  família Cury Reis pelo humilde título de Melhor Cozinheira do Mundo, vendo que a pobre filhinha estava emagrecendo e chegando ao cúmulo de agradecer pelo chuchu refogado do qual nunca havia gostado, decidiu que iria salvar a pátria, pelo menos naquela semana.
Ela fez quibe, carneiro recheado, frango com laranja, pão recheado... Com a desculpa de não deixar meu pai comer muito e ficar barrigudo, distribuiu essas gostosuras entre os filhos queridos, que moram longe da asa dela.
A minha parte da herança do final de semana resumia-se a 16 quibes grandes, um pão recheado inteiro, 5 sobrecoxas de frango com laranja e metade de um carneiro de 50Kg. Tá, talvez não tivesse tanto carneiro assim, mas foi difícil de carregar, de qualquer maneira.
Ela realmente estava me achando magra demais.
Coloquei tudo na geladeira e fui consumindo aos poucos, pedindo encarecidamente que os meninos - 3 homens de quase 30 anos, solteiros e famintos - me ajudassem com tudo aquilo.
Mas é impressionante como tinha comida!
Depois de 2 semanas, comecei a ficar com receio de comer os restos do carneiro e do frango. Em 3 semanas, matei os quibes e o pão recheado, e comecei a empurrar os Tupperware (vulgo "tapauér") com carne para o fundo da geladeira, inconscientemente.

Me esqueci deles.

Mentira, a cada dia eles me incomodavam mais, e eu forçava mais o meu inconsciente a empurrá-los para o fundo da geladeira.
Voltei a comprar sopas Vono, pra não pensar no que poderia ter se transformado aquela comida preciosa da mamãe.
A cada dia crescia o medo de jogar tudo no lixo. No mínimo, estaria fedendo muito. No máximo, uma subespécie formada pela união de cerca de 15 tipos de fungos diferentes me atacaria, assim que eu retirasse aquela tampa hermética azul.
Hoje, no entanto, quando abri a geladeira, tive a impressão de ver a tampa do frango se abrindo lentamente. Pensei comigo: "Estão ganhando vida, antes que aprendam a construir armas, vou me livrar deles".
Tive que me segurar muito pra não jogar a comida com Tuppeware e tudo na lixeira.
Só de pensar em lavar aquilo depois, meu Deus!
Mas se tem uma coisa que enfurece a Senhora Cury Reis é que os filhinhos sumam com os Tuppeware(s) dela. Ela fica doida. Então achei melhor enfrentar meus medos, colocar um prendedor no nariz e me direcionar até a lixeira do prédio.
Coloquei a cabeça pra fora da porta. Não queria ser acusada pelos vizinhos de ter criado um monstro na geladeira. Mesmo sendo a mais pura verdade.
Foram os 2 minutos mais demorados da minha vida.
Abri as cumbuquinhas, joguei o conteúdo na lixeira, tampei as cumbuquinhas rapidamente, entrei em casa rapidamente, tranquei a porta mais rapidamente ainda e lavei tudo.
Ouvia os fungos se contorcendo e empurrando a tampa da lixeira pra cima. Os do Carneiro peleando com os do frango, que, a essa altura, já haviam desenvolvido bazucas com os ossinhos e a cartilagem.
Foram momentos de tensão, meu coração batia forte e comecei a ficar preocupada com a possibilidade de algum vizinho ser pego de surpresa no corredor enquanto esperava pelo elevador, que demora uma vida pra chegar ao terceiro andar.

Quando terminei de lavar os Tuppeware minha respiração foi diminuindo. Apurei os ouvidos e não escutei nada, nem na casa, nem no corredor. Fui até a porta, olhei pelo olho mágico, a lixeira estava ali. Parada. Inocente. Não havia sangue no corredor.
Foi quando tomei consciência de que estava apreensiva, atrás de uma porta trancada, esperando que minha comida atacasse alguém.

Que cena ridícula.

Comecei a rir sozinha feito uma idiota, destranquei a porta e deitei no sofá.
Estava quase pegando no sono quando a vizinha deu um grito estridente no corredor.

Tranquei a porta e me escondi embaixo da cama.

TNT

11 de março de 2011

Ingredientes:

- 1 peça grande de lagarto
- 2 Cenouras
- Bacon (a gosto)
- Brócolis
- Óleo de girassol
- Um dente de alho
- Uma cebola grande
- Caldo de carne (de preferência, natural)
- 5 Tomates pelados
- Cheiro verde
- Sal e pimenta a gosto

Modo de preparo:

Com uma faca grande e bem afiada, abra a peça de lagarto em manta.

Tempere com sal e pimenta a gosto.

Corte as cenouras em tirinhas, faça o mesmo com o bacon.

Coloque o bacon, a cenoura e o brócolis sobre toda a manta e vá, cuidadosamente, enrolando a carne, como um rocambole.

Usando uma linha de pesca ou um barbante, amarre a carne para evitar que ela se abra durante o cozimento.

Numa panela de pressão grande, coloque óleo, alho e cebola picados e refogue.

Quando a cebola estiver dourada, coloque o rolo de carne na panela.

Vire o rocambole a cada 10 minutos. Todos os lados precisam ficar bem corados.

Adicione o caldo de carne. Se necessário, complete com água até cobrir toda a peça.

Pique os tomates, o cheiro verde e reserve.

Depois de 15 minutos, tire a pressão da panela, adicione os tomates e coloque novamente na pressão.

Espere mais meia hora, tire novamente a pressão, adicione o cheiro verde e coloque novamente na pressão.

Após 5 minutos, tire a pressão, adicione um filé de merluza e um chili vermelho com as sementes.

Você também pode colocar fatias de pão de fôrma.

Mais dois minutos de pressão.

Coloque a panela na água para que a pressão saia rapidamente.

Adicione coentro (a gosto), alecrim, três folhinhas de hortelã, um rolo de barbante, a faca com a qual cortou a carne, um computar com Windows, de preferência o Vista, um celular, mais cebola, mais alho e coloque novamente na pressão.

Chame alguém de quem você gosta muito pra saborear o prato, mas não apague o fogo.

Com a indicação de que o fogo não deve ser apagado e de que você volta num segundo, deixe a pessoa cuidando da panela de pressão enquanto você sai e vai passear no shopping.

Volte 2 horas depois e, SE possível, limpe toda a sujeira.


Agora, me diga. Se ingredientes inesperados entrassem aos poucos no meio da pressão do dia-a-dia e você precisasse fazer algo parecido para se sentir melhor, sinceramente, faria?

À Mostra

1 de março de 2011

Já se sentiu nu?

Você obviamente já ficou nu, mas já se sentiu assim?

Experimente tirar a roupa num local atingido por uma corrente de vento.

Não faça isso em público, pode gerar problemas.

Procure algum canto da sua casa por onde passe uma corrente de ar, tire a roupa, feche os olhos.

A primeira coisa que se sente é o corpo arrepiado, os pêlos levantando. Independentemente de estar calor ou frio, você vai se arrepiar (Tá, se você estiver em Rio Preto talvez não se arrepie, escolha um dia quente, não um dia extremamente quente, como todos entre agosto e abril).

Em seguida, vai sentir o vento nas partes úmidas do corpo. Cada um tem suas umidades particulares, já não cabe a mim definir nada nesse sentido.

E então você se sente indefeso.

O ser humano dificilmente para pra pensar nisso, porque praticamente já nasce vestido, mas a roupa, ao proteger do frio, da chuva, dos olhos tarados, cria a sensação de ser uma armadura que, via de regra, protege de tudo.

É nesse sentido que pergunto. Já se sentiu nu, mesmo vestido?

Alguém já te olhou e, só com os olhos, conseguiu te arrepiar, te fazer sentir as partes úmidas?

Alguém já te deixou indefeso?

Cuidado.

Despir-se do peso da armadura pode deixar o corpo tão leve que se torne difícil manter os pés no chão. E aí você flutuará nu, onde todos poderão te ver por inteiro.

Se você estiver se sentindo assim, no entanto, acredite: vai querer ser visto por apenas uma pessoa.